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Vamos falar de sucessão?

Falar sobre a morte sempre foi um tabu para grande parte dos brasileiros. Um estudo realizado em 2018 pelo Studio Ideias e encomendado pelo Sindicado dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep)[1] apontou que 74% dos entrevistados não tinham o costume de discutir sobre o assunto no cotidiano e que poucos[2] estavam preparados para lidar com a própria morte.

Entretanto, recentes indicadores demonstram que a pandemia da Covid-19, que já causou a morte de mais de 600 mil pessoas somente no Brasil, forçou muitos brasileiros a encarar esse espinhoso assunto de frente. Somente nos primeiros cinco meses de 2021 houve um aumento de 40% nos testamentos públicos lavrados e de 85% na procura por Diretivas Antecipadas de Vontade, em comparação com o mesmo período do ano passado[3], o que comprova, respectivamente, uma crescente preocupação quanto à destinação do patrimônio na hipótese de falecimento e aos cuidados médicos a serem recebidos caso o enfermo fique impossibilitado de expressar suas vontades.

Mas, afinal, qual a relevância de se planejar a destinação a ser dada ao patrimônio após a morte? Um aspecto central consiste na possibilidade de garantir que os anseios do detentor do patrimônio sejam atendidos.

Por meio do planejamento sucessório, o detentor do patrimônio poderá formalizar suas vontades quanto à destinação de seus bens, podendo, inclusive, definir a distribuição igualitária ou não do patrimônio entre seus herdeiros e beneficiar eventuais terceiros por quem tenha apreço, desde que respeitados os limites legais. Nesta linha, seria possível, por exemplo, favorecer um determinado herdeiro mais necessitado, direcionar recursos a instituições beneficentes, ou organizar a sucessão para que o patrimônio construído permaneça no seio familiar.

Por ser a manifestação da vontade do detentor do patrimônio, o planejamento sucessório costuma mitigar o risco de conflitos entre os herdeiros quanto à distribuição dos bens que compõem a herança. Vale lembrar que, na ausência de qualquer determinação prévia, a divisão dos bens do falecido seguirá, necessariamente, o disposto na legislação vigente e a margem de atuação na busca pela preservação dos interesses do falecido restará prejudicada e dependerá, principalmente, da concordância entre os herdeiros.

Outro aspecto positivo é a maior celeridade na transmissão do patrimônio aos herdeiros, uma vez que o planejamento sucessório poderá, ainda, ser realizado de modo a evitar que a transmissão dos bens passe pelo burocrático e moroso processo de inventário judicial.

Mas não só os herdeiros são beneficiados pelo planejamento sucessório. Em uma empresa familiar, o planejamento sucessório alinhado com boas práticas de governança corporativa pode, também, beneficiar stakeholders (como empregados, clientes e fornecedores) que, na ausência de uma transição de controle planejada e ordenada, podem ser prejudicados por disputas entre os herdeiros do fundador quanto ao comando da empresa.

E como dar início a um planejamento sucessório?

O primeiro passo é geralmente o mais difícil, pois consiste em quebrar o tabu, aceitar a morte como um evento natural e inevitável e parar para refletir sobre o melhor para seus herdeiros e seu patrimônio após o seu falecimento.

A etapa seguinte abrange a consulta a profissionais especializados e de confiança para auxiliar no desenvolvimento e implementação de seu planejamento sucessório. Embora possa parecer constrangedor tratar de um assunto tão delicado com terceiros, profissionais especializados atuarão com sigilo e auxiliarão na tomada de decisão de forma racional e dentro dos limites legais.

Como nenhuma família é igual à outra, ao formatar o planejamento sucessório o consultor especializado levará em consideração diversos fatores como, por exemplo, as características e especificidades de cada família (ex. existência de cônjuge/companheiro, regime de bens adotado, herdeiros menores ou incapazes), as características do patrimônio (bens móveis ou imóveis como participações societárias e patrimônio imobiliário), a localização dos bens (que pode demandar, inclusive, a assessoria de consultores especializados em direito estrangeiro caso haja bens no exterior) e a existência recursos financeiros suficientes para fazer frente às despesas e aos tributos incidentes sobre as transmissões decorrentes da sucessão.

Diante dessa complexidade, muitos são os instrumentos jurídicos e financeiros que podem ser utilizados (muitas vezes em conjunto) em um planejamento sucessório. Desde instrumentos mais simples (mas muito úteis) como o testamento (que é o documento que expressa a vontade do testador quanto à distribuição de seus bens após sua morte e que é revogável a qualquer tempo) até estruturas societárias mais complexas como sociedades constituídas no Brasil detentoras de participações societárias (conhecidas como holdings), fundos de investimentos e sociedades constituídas no exterior (conhecidas como offshores).

Por fim, é importante que se tenha em mente que, assim como a família sofre mutações ao longo do tempo, o planejamento sucessório não é algo estanque e deve ser revisitado de tempos em tempos para acompanhar a evolução e as mudanças patrimoniais e nas estruturas familiares.

*Mauro Takahashi Mori é sócio do Machado Associados na área societário, contratos e M&A. É especializado em fusões e aquisições, contratos, reestruturações societárias (como fusões, cisões e incorporações) e planejamento sucessório em empresas familiares

*Jéssica Costa é advogada do Machado Associados. Atua no societário, contratos e negociações, fusões e aquisições e planejamento sucessório

[1] ALVIM, Mariana. Solidão no luto: pesquisa inédita mostra dificuldades dos brasileiros para lidar com a morte. BBC News Brasil, São Paulo, 20 set. 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45596113. Acesso em: 19 out. 2021.

[2] Média de 2,1 em uma escala de 1 a 5, sendo 1 “nada preparado” e 5 “muito preparado”.

[3] CARTÓRIOS de notas registram recorde de testamentos no Brasil. R7, 7 jul. 2021. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/cartorios-de-notas-registram-recorde-de-testamentos-no-brasil-08072021. Acesso em: 14 jul. 2021.