Por mais racionalidade nas infrações tributárias
Conferir racionalidade a esse sistema colocaria o Brasil em linha com as maiores economias do mundo
Nos tempos atuais, onde vários temas muito relevantes para o sistema tributário estão sendo discutidos na sociedade, é muito importante que também se discuta de uma forma profunda e responsável a irracionalidade do sistema de penalidades tributárias que está previsto na legislação dos Estados, dos municípios e da própria União Federal.
Há uma premente necessidade de se conferir racionalidade, equilíbrio e simplicidade a esse sistema, pois há uma praticamente infindável variedade e quantidade de regras a serem observadas, listas numerosas de infrações passíveis de apenação e a previsão de multas que, em muitos casos, também se revelam extremamente exacerbadas e dissonantes da realidade e dos desafios que os contribuintes enfrentam para cumprir adequadamente a enorme quantidade de obrigações acessórias que todas as esferas da administração tributária exigem mensalmente.
Conferir racionalidade a esse sistema colocaria o Brasil em linha com as maiores economias do mundo
Como os entes da federação têm autonomia para legislar no que diz respeito às penalidades que estão ligadas aos tributos incluídos na sua esfera de competência, cada um cria o seu próprio sistema de penalidades.
Inegavelmente, diversas infrações e multas são previstas de forma muito semelhante nessas legislações, num verdadeiro efeito inspiracional de uma legislação sobre a outra, mas há também uma grande discrepância entre os percentuais previstos nessas normas e até mesmo uma falta de coerência na gradação das penalidades.
Assim, em algumas legislações, deixar de pagar tributo pode ensejar uma penalidade de até 75% do valor do imposto (Estado de São Paulo). Já em outra unidade da federação, deixar de pagar tributo apurado em auto de infração pode ensejar uma multa de até 100% do valor do imposto cobrado (Estado do Mato Grosso do Sul).
Igualmente, quando se trata de infração relativa à tomada de créditos, em alguns Estados a punição chega a uma multa de 100% do valor do imposto (v.e. São Paulo), ao passo que em outras unidades da federação essa multa alcança até 120% (v.e. Rio de Janeiro) e, ainda existem unidades onde a multa aplicada é de 150% do valor do crédito do ICMS efetivamente utilizado (v. e. Mato Grosso do Sul).
E dentro do sistema de penalidades próprio de cada unidade da federação, abundam exemplos de penalidades desproporcionais às infrações e carentes de qualquer conteúdo pedagógico. Ao contrário, em muitas situações a finalidade é eminentemente arrecadatória.
Nota-se, ainda, que há uma preocupação exacerbada dos legisladores em criar inúmeros tipos de infrações a serem apenadas. Cada grande gênero de infrações desdobra-se em inúmeros incisos e alíneas, cada um deles com um percentual diferente de apenação. E, em muitos casos, os legisladores criaram até mesmo um tipo infracional “genérico” destinado a colher todas as “outras hipóteses” não enquadradas nas alíneas anteriores, em clara violação ao direito de defesa dos contribuintes e aos princípios da tipicidade e da legalidade.
Que o infrator deve ser apenado é fato. Mas a penalidade não deve ter conteúdo arrecadatório, como tem ocorrido muito nos últimos anos. A penalidade deve ser razoável, proporcional e marcada pela prevalência da sua finalidade pedagógica.
A autonomia legislativa das pessoas jurídicas de direito público interno para o tratamento legislativo dos tributos que estão dentro de suas esferas de competência é fato inquestionável. Contudo, em razão dessa autonomia, criou-se no Brasil um sistema totalmente descentralizado de apenação das infrações tributárias, com uma multiplicidade de condutas infracionais, tipos genéricos e previsões de multas tão díspares e pesadas que há muito perderam o conteúdo pedagógico e passaram a possuir claro viés arrecadatório.
Nesse cenário, é urgente que o tema seja enfrentado e debatido de forma profunda, com a finalidade de que seja possível a criação de um sistema de apenação coerente, razoável, bem definido, proporcional, simples e pedagógico, em que seja cabível até mesmo uma simples admoestação do contribuinte, desestimulando o descumprimento das normas e conferindo-se efetividade a um sistema que hoje é irracional.
Há a necessidade de criação de uma norma nacional que regule o tema, preservando a autonomia legislativa dos entes da federação, mas, ao mesmo tempo, estabelecendo os princípios que devem nortear esses sistemas, vedando a aplicação de multas desproporcionais às infrações, confiscatórias e violadoras dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade entre a infração e a multa a ser aplicada.
A criação desse sistema e a adequação das legislações dos entes da federação a esses princípios eliminaria as distorções que marcam atualmente a aplicação das multas tributárias, colocando em prática o efeito pedagógico que deve marcar a sanção e conferindo segurança jurídica à sociedade, aos contribuintes e aos empreendedores, favorecendo a melhoria do ambiente de negócios no Brasil, estimulando a atividade produtiva e os investimentos.
Conferir racionalidade a esse sistema colocaria o Brasil em linha com as maiores economias do mundo, onde há a consciência de que a tributação e também o sistema de penalidades devem ser o mais racional e simples que for possível, pois esses atributos estimulam a aderência de todos ao cumprimento das regras e permitem a estabilidade na arrecadação, colaborando para que as finanças públicas estejam sempre equalizadas.