Imobiliárias afastam pedidos de vínculo de emprego com corretores
Ministério Público pede em ações pagamento de danos morais coletivos
Imobiliárias têm conseguido afastar pedidos de indenização em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para o reconhecimento de vínculo de emprego de corretores de imóveis contratados como autônomos. Nos processos, o órgão pede danos morais coletivos que variam entre R$ 400 mil e R$ 6 milhões.
Foram ajuizadas 14 ações civis públicas, além de um processo para cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), segundo o órgão. Por ora, em nenhum dos casos houve condenação de alguma empresa. Em dois processos foram realizados acordos.
Nas ações, o MPT alega que os corretores de imóveis, contratados como autônomos, são na realidade empregados. De acordo com o órgão, existiria relação de subordinação, prestação de serviços de natureza não eventual, sujeita a cumprimento de horário, com escala elaborada pela empresa, punições por falta e proibição de prestarem serviços para outras empresa, punições por falta e proibição de prestarem serviços para outras corretoras.
As imobiliárias, porém, têm argumentado que a lei que regulamenta o setor permite a contratação de autônomos e que os requisitos elencados nos processos para a comprovação de vínculo não fazem parte do dia a dia dos corretores de imóveis.
Em alguns casos, juízes têm entendido inclusive que o tema não é de competência do MPT por envolver direitos heterogêneos, uma vez que os corretores podem ser contratados como autônomos ou celetistas. Para eles, o órgão só poderia atuar em direitos homogêneos, comum a todos os trabalhadores. Outros magistrados entendem que a melhor forma para analisar a existência de fraude seria por meio de ações individuais, que também tem sido enfrentadas na Justiça.
Recentemente, a Patrimóvel Consultoria Imobiliária obteve sentença favorável na 46ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Na ação civil pública, ajuizada em 2009, o MPT pedia indenização de R$ 5 milhões por danos morais coletivos.
Por questões processuais, a primeira sentença foi anulada. Em uma nova decisão, em setembro, o juiz do trabalho substituto Munif Saliba Achoche apontou que a prova testemunhal colhida deixou claro que em momento nenhum a empresa violou qualquer dispositivo celetista ou legal pela simples e mera contratação de corretores imobiliários sem vínculo de emprego.
“Uma vez que para tanto é necessária a presença não somente de um, mas de todos os requisitos inerentes a tanto, quais sejam, subordinação, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade, além de o labor ser prestado por pessoa física”, diz o magistrado na decisão (processo nº 0161000-04.2009.5.01.0046).
Uma das testemunhas foi trazida pelo próprio MPT. De acordo com ela, havia risco na atividade, uma vez o corretor poderia ficar meses sem receber comissão e que em outros meses poderia receber grandes quantias pela quantidade de negócios fechados.
A testemunha ainda esclareceu que o próprio profissional indicava colegas da equipe quando precisava trocar plantões e que todos os custos das atividades eram arcados pelo corretor (passagens, gasolina e gastos com deslocamento), além dos instrumentos de trabalho (celular e laptop).
A Julio Bogoricin Imóveis, uma das maiores imobiliárias do Rio de Janeiro, também obteve entendimento favorável em ação civil pública. O processo pedia R$ 6 milhões por danos morais coletivos. A decisão (processo nº 0001247-70.2012. 5.01.0057) é do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio.
Segundo o relator do caso na 7ª Turma, desembargador Theocrito Borges dos Santos Filho, “a existência de relações de trabalho díspares, onde vários corretores são verdadeiramente empregados e outros são efetivamente corretores autônomos, impossibilita o provimento judicial como pretendido, por constatada a presença de direitos individuais heterogêneos”.
O vínculo de emprego, acrescenta em seu voto, não pode ser assegurado de forma ampla e irrestrita para todos os corretores de imóveis que prestam serviços para a Julio Bogoricin Imóveis “sendo imperiosa a análise cuidadosa e individual de cada caso”. O que, segundo o magistrado, vem ocorrendo em ações individuais, “sendo o vínculo de emprego reconhecido em algumas e em outras não”.
Os advogados que assessoram a Patrimóvel e a Julio Bogoricin Imóveis, Cristiano Barreto e Rafael Thomé, sócio do Barreto Advogados & Consultores Associados, afirmam que historicamente o MPT tem atacado as imobiliárias para que reconheçam o vínculo de corretores autônomos, que seguem uma rotina com autonomia e sem subordinação.
“Temos explicado nas ações, por meio de testemunhas, que esses corretores não têm horário a cumprir, não recebem ordens e que as empresas não efetuam pagamentos diretamente a eles. São pagos pelos próprios clientes”, afirma Barreto.
Thomé destaca que as imobiliárias estão autorizadas por lei, desde 2015, a contratar corretores como autônomos (Lei nº 13.097) e que a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) trouxe ainda mais força para essa forma de contratação.
Marcel Augusto Satomi, do Machado Associados, diz que podem existir contratações diferentes dentro de uma mesma imobiliária. “Não se pode pegar alguns fatos por amostragem e aplicar para todos porque existem realmente aqueles que são de fato autônomos”, afirma.
Para a advogada Litza de Mello, sócia do Porto Lauand, se a contratação de autônomos cumpre as formalidades legais, afasta a qualidade de empregados. De acordo com ela, o MPT também tem ajuizado processos semelhantes contra outros setores, como o de escritórios de advocacia.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do MPT informou que não conseguiu localizar um representante do órgão para comentar o assunto.
Esse artigo foi publicado primeiro pelo Valor Econômico em outubro de 2019 no site https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2019/10/30/imobiliarias-afastam-pedidos-de-vinculo-de-emprego-com-corretores.ghtml