Crédito tributário garantido e inclusão no Cadin, como assim?
Incluir nome do contribuinte em órgãos de proteção ao crédito quando fisco está salvaguardado é indevido.
Temos observado iniciativas por parte do fisco em forçar os contribuintes a liquidar débitos tributários, ainda que em discussão judicial e devidamente garantidos por fiança bancária e seguro garantia. De fato, tem sido frequente aos contribuintes que estão litigando contra o fisco serem surpreendidos com a inscrição de seus nomes no Cadin, Serasa e outros órgãos de proteção ao crédito, além de terem as supostas dívidas encaminhadas para protesto.
Essas indevidas inscrições causam surpresa, pois aqui estamos a tratar de contribuintes pautados na mais absoluta boa-fé, que são obrigados a contratar fiança bancária ou seguro garantia, com elevado custo, para poder discutir o crédito tributário em juízo, manter sua regularidade fiscal em dia, além de resguardar todo o interesse do fisco, pois, ao final da discussão e sendo esta desfavorável aos contribuintes, o crédito tributário objeto do litígio será prontamente colocado à disposição do erário.
Como é sabido, um contribuinte que tem interesse em discutir determinado crédito tributário perante o Poder Judiciário, além de outras garantias previstas em lei, pode também contratar fiança bancária e seguro garantia e, durante a tramitação do processo, manter sua regularidade perante o fisco, à luz do que dispõe o art. 206 do Código Tributário Nacional (CTN).
Realmente, se há previsão legal autorizando o oferecimento da fiança bancária e do seguro garantia, as quais inclusive devem passar antes pela aceitação do fisco, a rigor, não há razão (ou pelo menos não deveria haver) para maiores preocupações. Ora, o contribuinte oferece uma garantia idônea, que se equipara a dinheiro e, em contrapartida, o fisco lhe assegura a emissão de certidões de regularidade fiscal. Até aqui, tudo parece dentro da normalidade.
Contudo, nada obstante toda essa segurança oferecida ao fisco, temos percebido que os contribuintes, ainda assim, têm enfrentado diversos outros entraves para a tranquila consecução das suas atividades empresariais.
Isso porque a Lei Estadual nº 12.799/08 de São Paulo e a Lei Municipal nº 14.094/2005 da capital paulista estabelecem – em nosso sentir, de forma ilegítima – que a suspensão do registro no Cadin estadual e municipal, respectivamente, somente será possível na hipótese de suspensão da exigibilidade, nos termos da lei. Assim, de acordo com as referidas legislações, apenas nas hipóteses previstas no art. 151 do CTN (depósito judicial, recursos administrativos pendentes de julgamento, medidas liminares, tutelas de urgências, entre outras), os contribuintes ficarão salvaguardados do pesadelo chamado Cadin.
Por outro lado, os contribuintes que não se enquadrarem nas taxativas hipóteses previstas em lei, muito embora tenham oferecido ao fisco garantias como fiança bancária e seguro garantia, serão considerados, perante terceiros, como inadimplentes e mau pagadores.
Ou seja, tanto a legislação estadual quanto a municipal não parecem estar em harmonia com o ordenamento jurídico, estando a merecer severas críticas.
Ora, se o Código Tributário Nacional — e aqui é sempre bom relembrar, recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar — assegura (em seus artigos 205 e 206) a regularidade fiscal dos contribuintes que oferecem fiança bancária e seguro garantia perante o próprio fisco (cujas exigências, por envolver o interesse público, são bem mais rígidas), como, então, reconhecer a legitimidade das já mencionadas leis estadual e municipal que, ainda assim, autorizam a inscrição do nome desses contribuintes em órgãos de proteção ao crédito?
Como admitir, ainda, que perante o fisco determinado contribuinte está regular, mas perante terceiros, não? Como admitir, por exemplo, que determinando contribuinte possa contratar com o poder público, mas perante terceiros o seu nome está “sujo”?
Essas perguntas, evidentemente, têm o objetivo de fomentar maior reflexão sobre esse polêmico assunto, que muito tem incomodado os contribuintes em geral. Em muitas situações, por se sentirem coagidos, eles preferem abrir mão de discussões judiciais para liquidar débitos (ainda que bastante questionáveis), ou realizar depósitos judiciais para contornar o problema, prejudicando suas atividades empresariais, com o comprometimento do caixa, redução de investimentos etc.
Como mencionado, o objeto de análise foram as leis estadual e municipal. Até porque, no âmbito federal, a legislação se encontra em harmonia com o ordenamento jurídico, bem assegurando que, caso o devedor comprove o oferecimento de garantia idônea e integral ao juízo, o registro no Cadin será suspenso (art. 7º, da Lei nº 10.522/2002).
A questão aqui tratada também começa a eclodir no Judiciário, havendo decisões em diferentes sentidos. Por exemplo, a depender da câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que for julgar determinado recurso do contribuinte, este poderá ter a “sorte” de ficar “livre” do Cadin (nesse sentido: Apelação nº 1033061-69.2020.8.26.0053, 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 10/11/2021).
Contudo, se por algum infortúnio o seu recurso for distribuído para uma câmara que tem entendimento diferente, este contribuinte vivenciará diversos entraves nas suas atividades empresariais (nesse sentido: Agravo de Instrumento nº 2043895-79.2020.8.26.0000; 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 17/06/2021).
Temos, portanto, um cenário atentatório à isonomia e à segurança jurídica, a justificar, inclusive, a utilização de mecanismos previstos no Código de Processo Civil para uniformização da jurisprudência.
Longe de exaurir o assunto, ficam nossas breves considerações sobre esse polêmico tema, parecendo-nos ser claramente ilegítima a inclusão do nome dos contribuintes nesses órgãos de proteção ao crédito, notadamente quando o fisco já está salvaguardado com onerosas garantias.