ICMS-ST: reflexos da decisão do STF na legislação gaúcha
Dentre as inúmeras excentricidades do sistema tributário brasileiro consta o regime de substituição tributária do ICMS (ICMS-ST). Trata-se de faculdade conferida pelo art. 150, § 7º da Constituição Federal, ao legislador para atribuir a terceiro a condição de responsável pelo pagamento de um tributo, “cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
Com fundamento nesse dispositivo, os legisladores de todas as Unidades da Federação instituíram o regime de substituição tributária do ICMS, com o intuito de facilitar a atividade de fiscalização do Poder Executivo e conferir eficiência à arrecadação. Porém, considerando que o ICMS-ST deve ser recolhido antes do fato gerador ocorrer, a principal questão atinente a esse regime de tributação é como mensurar o valor de operações futuras em cadeias comerciais tão heterogêneas.
Instado a se manifestar sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), em um primeiro momento (ADI 1851, DJ 25/04/2003), entendeu constitucional o regime de substituição tributária, não sendo permitida a restituição ou a cobrança de complemento do ICMS antecipado. De acordo com esta decisão, o fato gerador presumido não é provisório, mas definitivo, pois “admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação”.
Contudo, ao invés da Suprema Corte conferir segurança jurídica aos contribuintes, mudou seu entendimento para desvirtuar ainda mais uma forma questionável de tributação. Em 2016, o STF entendeu ser devida a devolução do ICMS-ST quando a operação for realizada por valor inferior àquele utilizado como base de cálculo presumida (ADIs 2675 e 2777).
Como bem havia decidido inicialmente o STF, o regime de substituição tributária somente comportaria devolução do imposto retido antecipadamente na hipótese de não realização do fato gerador presumido, não sendo relevante a base de cálculo utilizada para recolhimento do ICMS-ST. Isto porque, sendo necessária a fiscalização do valor efetivamente praticado pelo contribuinte substituído na última operação comercial e seu confronto com a base de cálculo do ICMS-ST, a eficiência que se pretendeu conferir à Administração em detrimento dos princípios da capacidade contributiva, igualdade e legalidade, seria totalmente comprometida.
Com fundamento nesse último entendimento do STF, muitas Unidades da Federação, como é o caso do Estado do Rio Grande do Sul, editaram lei que estabelece a obrigatoriedade de complementação do ICMS-ST, caso a base de cálculo presumida seja inferior ao valor efetivamente praticado na operação realizada pelo contribuinte varejista. De acordo com o Regulamento do ICMS gaúcho, o contribuinte substituído deve ajustar o imposto retido por substituição tributária decorrente da diferença entre o preço praticado na operação final a consumidor e a base de cálculo utilizada para determinação do débito antecipado pelo responsável tributário.
A novidade é que o mesmo Estado do Rio Grande do Sul estabeleceu, através do Decreto nº 54.938, de 20/12/2019, o “Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária – ROT ST”, inicialmente aplicável aos contribuintes substituídos que tenham faturamento igual ou inferior a R$ 78 mi. De acordo com esse novo regime, o contribuinte que por ele optar estará dispensado do pagamento do complemento do ICMS-ST nos casos em que o preço praticado na operação com o consumidor final for superior à base de cálculo presumida.
Porém, para aderir ao ROT ST, o Decreto gaúcho exige que o contribuinte substituído (a) renuncie ao direito a restituição do ICMS-ST nas hipóteses de venda a consumidor final por valor inferior à base de cálculo presumida, (b) desista de qualquer processo judicial ou administrativo que trate da complementação ou restituição de diferenças exigidas à título de ICMS-ST, e (c) participe do “Programa de Fidelidade NFG” (Nota Fiscal Gaúcha), disciplinado pelo Decreto nº 49.479/12 com o objetivo de incentivar os adquirentes de mercadorias, bens e serviços de transporte interestadual e intermunicipal a exigir do fornecedor a entrega de documento fiscal hábil.
Em síntese, a Emenda Constitucional autorizou o legislador a cobrar antecipadamente o ICMS utilizando-se de base de cálculo presumida. O STF, alterando seu posicionamento inicial, decidiu que os Estados estão obrigados a restituir o ICMS-ST caso a operação com o consumidor final ocorra por um valor inferior àquele utilizado como base de cálculo presumida, sem mencionar a obrigação do contribuinte substituído complementar eventual diferença a maior. O Estado do Rio Grande do Sul passou a exigir o complemento do ICMS-ST à revelia da decisão do STF e a prever a sua restituição em caso de diferença entre o valor efetivo da operação e a base de cálculo presumida. Por fim, o mesmo Estado do Rio Grande do Sul autoriza determinados contribuintes a optarem pela adesão ao ROT ST, sendo dispensados da adequação do ICMS-ST, que se torna definitivo, tal como decidido originalmente pelo STF.
Enfim, vê-se, portanto, a ausência total de razoabilidade do sistema tributário brasileiro atual refletido na aplicação do ICMS-ST e seu agravamento por decisões do STF e dos Poderes Legislativo e Executivo das Unidades da Federação, que se utilizam de um instrumento já declarado constitucional para aumentar a arrecadação e tornar mais eficiente a fiscalização de acordo com sua conveniência, ignorando completamente os interesses e segurança jurídica dos contribuintes e comprometendo os princípios da capacidade contributiva e da livre-concorrência.
Este artigo foi publicado em janeiro de 2020 (https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/icms-st-reflexos-da-decisao-do-stf-na-legislacao-gaucha/)