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Compliance e lei anticorrupção

Introdução

Um dos maiores desafios no combate à corrupção no Brasil sempre foi, e continua sendo, mitigar e extinguir suas causas estruturais.

Ao longo da história brasileira, a corrupção tem sido percebida como uma espécie de traço intrínseco, de difícil alteração, principalmente por aqueles que tendem a acreditar que se trata de uma prática culturalmente tolerada no país, que a impunidade sempre serviu de fator de incentivo ao ciclo vicioso da corrupção e que interpretam a corrupção como uma consequência inevitável do alto grau de burocratização nacional.

Contudo, a globalização compeliu o Brasil a entrar na torrente mundial da busca pela ética e pela transparência e do combate às práticas corruptas.

A partir do fim dos anos 90, o Brasil viu surgir suas primeiras legislações de combate à lavagem de dinheiro, mas somente com o advento da lei nº 12846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção, o combate à corrupção entrou em pauta de discussão como meta possível.

Finalmente, a deflagração da Operação Lava Jato, para a investigação de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros, envolvendo membros da administração pública e do poder legislativo e empresários e executivos de alguns dos maiores grupos brasileiros, em especial na área de infraestrutura, potencializou a relevância do tema, em meio a outros tantos assuntos efervescentes do Brasil, e colocou de vez a preocupação com o compliance no radar das empresas nacionais.

A Lei Anticorrupção

A Lei Anticorrupção prevê a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas (personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, incluindo sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro), nas esferas civil e administrativa, pela prática de atos em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, e que sejam lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira.

Entre os atos ilícitos puníveis estão, por exemplo, o oferecimento de vantagem indevida a agente público, a utilização de figura interposta para ocultar ou dissimular interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados, e condutas visando fraudar procedimentos licitatórios.

A responsabilização da pessoa jurídica subsiste mesmo na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária, e independe de e sem excluir a responsabilidade individual de dirigentes ou administradores.

As sanções aplicáveis às pessoas jurídicas responsabilizadas na esfera administrativa, e que não dispensam a obrigação da reparação integral do dano causado, incluem multas que podem chegar a valores consideráveis e a publicação (financiada pela pessoa jurídica punida) da decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação e também, por meio de afixação de edital, no estabelecimento ou no local de exercício da atividade, e no website da empresa.

Na esfera judicial, as sanções aplicáveis podem incluir, por exemplo, a suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa punida ou sua dissolução compulsória.

Nos casos de fusão e incorporação, a sucessora responde pela obrigação de pagamento da multa e pela reparação do dano, até o limite do patrimônio transferido. Não são aplicáveis outras sanções decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, ressalvadas eventuais hipóteses de comprovada simulação ou intuito de fraude.

As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos lesivos; responsabilidade essa que está restrita, contudo, à obrigação de pagamento de multa e reparação do dano, excluídas as demais sanções.

Determinados elementos serão considerados para fins de aplicação das sanções, tais como, por exemplo, a gravidade da infração, a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações e a existência de um sistema interno efetivo de conformidade, o que explica a recente importância que ganharam os programas de compliance no Brasil.

O decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção, e, entre outras medidas, prevê critérios para a aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção, estabelece inúmeros parâmetros para a avaliação da efetividade dos programas de compliance, tais como, a título de exemplo, o comprometimento e apoio da alta direção; a existência, aplicação e observância de normas (tais como códigos e políticas); a realização de treinamentos periódicos; a extensão dos padrões de conduta a fornecedores e outros terceiros com quem a empresa tenha relacionamento, bem como a realização de auditorias a tais fornecedores e terceiros; a realização de análises periódicas de riscos; a manutenção de registros contábeis completos e precisos; a existência de canais internos de denúncia e a realização de avaliações, no âmbito de due diligences em processos de fusões e aquisições e reestruturações, sobre a prática de irregularidades, atos ilícitos ou vulnerabilidades pela empresa-alvo.

A Lei Anticorrupção estabelece, ainda, a possibilidade de celebração de acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática dos atos lesivos que colabore com as investigações, desde que seja a primeira a manifestar-se sobre seu interesse em cooperar e cesse seu envolvimento na infração, entre outras condicionantes.

Os Programas de Compliance

A compreensão a respeito da importância dos programas efetivos de compliance no Brasil ainda está em formação. Ainda há muitas dúvidas e desconhecimento a respeito do tema, tanto quanto há ceticismo a respeito da relevância do compliance como elemento estratégico das organizações.

No Brasil, existe uma impressão geral de que compliance é uma necessidade especialmente voltada para empresas cujo desenvolvimento do core business envolva a participação em licitações públicas e a celebração de contratos com a administração pública em geral, especialmente porque nesses casos a exposição ao risco de corrupção é maior.

A realidade é que qualquer empresa, especialmente em um ambiente de negócios altamente burocratizado como é o brasileiro, conserva sua gama de pontos de contato com o Poder Público (para atividades como constituição e funcionamento, obtenção de licenças, recolhimento de tributos, contratação de empregados, cumprimento de obrigações legais ambientais, sanitárias e aduaneiras bem como disputas judiciais, entre outros exemplos). Não obstante, é visível a movimentação geral entre as empresas brasileiras, no sentido de constituir, designar e capacitar equipes internas para lidar com o tema e contratar serviços especializados para auxiliar na constituição dos programas internos de integridade.