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Incidência do ICMS nas Operações com Bens e Mercadorias Digitais – Regulamentação pelo Estado de São Paulo

A tecnologia evolui a uma velocidade impressionante, fato que tem gerado um certo descompasso entre as normas que regulam o setor e a realidade. Nesse cenário, a tributação aplicável às operações com bens e mercadorias digitais no Brasil é um desafio.

O art. 37 das Disposições Transitórias do Regulamento do ICMS do Estado São Paulo (RICMS/SP), introduzido pelo Decreto nº 61.791/16, define que, até que seja determinado o local de ocorrência do fato gerador do ICMS (para definição do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto), não será exigível o imposto incidente nas operações com softwares, programas, aplicativos, arquivos eletrônicos e jogos eletrônicos padronizados, quando disponibilizados por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming).

Com o advento do Convênio ICMS nº 106/17, celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e publicado em 5/10/2017, foi definido que, nas saídas internas e nas importações de bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados (ainda que tenham sido ou possam ser adaptados) e comercializados por meio de transferência eletrônica de dados, o ICMS: (a) será devido à unidade federada onde estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente; e (b) deverá ser recolhido pela pessoa jurídica detentora do site ou plataforma eletrônica que realizar a venda ou disponibilização dos bens e mercadorias digitais. Também foram definidas, pelo Convênio, as hipóteses em que poderá ser atribuída a responsabilidade pelo pagamento do ICMS.

Foi estabelecido que a pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica que efetue a venda ou disponibilização de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados fica obrigada a inscrever-se como contribuinte do ICMS em todas as unidades federadas em que praticar operações destinadas a consumidores finais.

Fundamentando-se nesse Convênio, o Estado de São Paulo editou o Decreto nº 63.099, publicado em 23/12/17, que introduz alterações no RICMS/SP com o intuito de viabilizar a cobrança do ICMS sobre as operações praticadas com bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, e revoga o art. 37 das Disposições Transitórias do RICMS/SP. Com isso, o ICMS passará a ser efetivamente exigível no Estado de São Paulo nas operações sob exame.

Além das disposições acima, o Decreto nº 63.099/17:
(a) define que é estabelecimento autônomo o site ou a plataforma eletrônica que realize a venda ou a disponibilização de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, mesmo no caso de pagamentos periódicos;
(b) autoriza a Secretaria da Fazenda paulista a estabelecer procedimento simplificado para a inscrição dos estabelecimentos que comercializem exclusivamente mercadorias digitais e a conceder regimes especiais para o cumprimento das obrigações acessórias;
(c) dispensa da obrigatoriedade de inscrição no Cadastro de Contribuintes o detentor do site ou plataforma que pratique operações com mercadorias digitais isentas ou não tributadas pelo ICMS; e
(d) dispõe que ficam isentas do ICMS no Estado de São Paulo as operações com bens e mercadorias digitais por transferência eletrônica de dados que sejam anteriores à saída destinada a consumidor final, enquanto vigorar o Convênio ICMS nº 106/17.

Fato é que, a partir de 1/4/2018, data em que o Convênio ICMS nº 106/17 e o Decreto nº 63.099/17 passarão a produzir seus efeitos, as novas disposições trarão mais dificuldades e insegurança jurídica aos contribuintes, em razão de vícios de ordem formal e material nelas existentes.

O Convênio ICMS nº 106/17, que serviu como base para o Decreto nº 63.099/17, ao definir o contribuinte, o responsável e o sujeito ativo (Estado credor) do imposto, desrespeitou o art. 146 da Constituição Federal, que confere à Lei Complementar — e não a um Convênio ou Decreto — competência para definir fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos tributos.

Ademais, as novas regras geram evidente conflito de competência entre os Estados e os Municípios, na medida em que, conforme o art. 156 da Constituição Federal, é dos municípios a competência para exigir o imposto sobre serviços (ISS), inclusive em relação a serviços na área de tecnologia (definidos pela Lei Complementar nº 116/03, com a redação dada pela Lei 157/2016).

Em especial, a redação do Decreto nº 63.099/17 é curiosamente imprecisa e permite a interpretação de que o ICMS incidirá sobre qualquer atividade com bens e mercadorias digitais que ocorra mediante transferência eletrônica de dados, inclusive, por exemplo, sobre o download de aplicativos e notícias, e sobre o streaming de música e filmes.

Não obstante, diferentemente do que dispõe o Convênio ICMS nº 106/17, o Decreto nº 63.099 não limita a incidência do ICMS aos bens e mercadorias digitais padronizados. Nessa medida, o Estado de São Paulo poderá passar a exigir o ICMS sobre as operações praticadas com software desenvolvido por encomenda do adquirente, o que é prestação de serviços e deveria se sujeitar ao ISS.

Ou seja, com as novas regras, os mesmos fatos, aparentemente, passariam a ensejar a tributação pelos Estados (ICMS) e Municípios (ISS). Para os contribuintes, dentre outras, resta a importante questão: qual é o imposto devido e quem é o legítimo credor?

Outro ponto que merece nota: apesar do Convênio ICMS nº 106/17 dispor sobre a incidência do imposto nas importações de bens e mercadorias digitais realizadas por transferência eletrônica, o Decreto nº 63.099/17 não tratou da incidência do ICMS na importação.

Nesse complexo cenário, um ponto favorável é o fato de ter sido mantida a redução da base de cálculo do ICMS nas operações com softwares, programas, aplicativos e arquivos eletrônicos, padronizados (ainda que sejam ou possam ser adaptados), disponibilizados por qualquer meio, de forma que a carga tributária resulte em 5% do valor da operação, conforme o Convênio ICMS 181/2015, o Decreto 61.791/2016 e o art. 73 do Anexo II do RICMS.

Como vemos, essas novas normas do Estado de São Paulo aumentam as obrigações acessórias (que se tornarão ainda mais complexas e custosas), a carga tributária (em operações que não vinham sendo tributadas pelo ICMS) e a insegurança jurídica para os contribuintes, o que ainda poderá se agravar quando os demais Estados adaptarem suas normas ao Convênio ICMS nº 106/17.

Essa situação poderá gerar, em breve, um significativo aumento das discussões e dos processos tributários no setor de tecnologia, já que as novas regras produzirão efeitos a partir de 1º de abril de 2018 no Estado de São Paulo.

Este informativo contém informações e comentários gerais sobre assuntos jurídicos de interesse de nossos clientes e amigos, não caracterizando opinião legal do Machado Associados acerca dos temas aqui tratados. Em casos específicos, os leitores deverão obter a assessoria jurídica adequada antes da adoção de qualquer providência concreta relativamente aos assuntos abordados.

Este artigo foi originalmente publicado pela International Tax Review, em março de 2018, em www.internationaltaxreview.com

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Natália Maziero de Oliveira